Unité de portugais

Chamada de comunicações para colóquio internacional – Mulher(es) e Poder(es) / Femme(s) et Pouvoir(s).

Passámos de uma história que silenciava completamente o papel das mulheres para conseguir estabelecer um ramo da história que se ocupa da mulher e, atualmente, num âmbito mais vasto, de género. Ao longo desse caminho colocou-se a questão da existência de uma história das mulheres e, num segundo passo, esta foi integrada na história das marginalidades e das minorias: dos pobres e dominados, dos colonizados, dos negros, dos homossexuais… É todavia uma margem muito numerosa: metade da população mundial! Desde os anos 1970 as pesquisas sobre o tema trouxeram-no para a vida académica, ainda que lutando contra a relutância que a conquista de um lugar igual para as mulheres sempre causou e continua a causar. A luta teve três vertentes: fazer aceitá-las como atoras da história, como tema de pesquisa e como pesquisadoras[1].

Consequência do apagamento de que foram vítimas durante muito tempo pouco se soube do seu papel na história e, fruto da descriminação que sofreram e sofrem em muitas sociedades do mundo, a sua condição social sempre foi pior do que a do homem, não tendo sequer muitas vezes o poder de decisão sobre as suas próprias vidas, submetidas a pais, maridos e irmãos. Por conseguinte, o poder político, económico e religioso, foi-lhes vedado quase sempre e em quase todos os lugares ou, quando exercido, não teve o mesmo reconhecimento institucional que o dos homens. O tema continua a ser de atualidade, pois tanto na política, como na economia, na magistratura ou na religião, as mulheres continuam a ser minoritárias, em todos os países (ou mesmo excluídas), mesmo nos mais progressistas na sua legislação sobre a igualdade dos géneros. Isso porque Simone de Beauvoir continua a ter razão e a mulher continua a ser vista como alteridade em relação à norma – o homem: « La femme se détermine et se différencie par rapport à l’homme et non celui-ci par rapport à elle; elle est l’inessentiel en face de l’essentiel. Il est le sujet, il est l’Absolu : elle est l’Autre. »

A situação social da mulher melhorou muito ao longo do século XX, no entanto a luta social das mulheres continua, pois ainda não se conseguiu obter satisfação à mais emblemática e simples das reivindicações: “Salário igual para trabalho igual”. Com efeito, se se podem justificar os salários superiores dos homens pelo seu maior número com qualificações superiores e em postos de chefia, continua a haver uma média salarial inferior para as mulheres com uma diferença de ganhos importante inexplicada, tanto no setor privado como também no público. Assim, o acesso das mulheres ao poder tornou-se, pelo menos em aparência, uma meta social a atingir, símbolo de mudança progressista e esperança de uma mudança maior no sentido da igualdade.

Contudo a que nos referimos quando falamos de poder? Já referimos o poder político, económico e religioso, mas, ainda que importantes, estes não esgotam a noção de poder. A presença da mulher na sociedade e a influência que nela exerce revestem outras formas: exprimir-se publicamente[2],  a expressão literária e artística, o poder de influência em variadíssimos domínios e ainda na única esfera a que o poder feminino é frequentemente associado ao longo da história e na maioria das culturas – a família e a casa.

A questão do poder é, pois, ambígua. Para se ter poder, tem que se poder imaginar tê-lo, como diz Virgílio “Eles podem porque pensam que podem” e à mulher esse pensamento esteve-lhe vedado durante muito tempo. Que ficou dessa negação ancestral do poder feminino? Soube adaptar-se e escolher outros caminhos, tortuosos, para o exercer? O poder exercido no feminino tem a mesma natureza que o poder exercido pelos homens? As mulheres desejam o poder? Para quê? Muitos dos estudos de sociologia sobre o tema revelam que a maioria das mulheres tem uma imagem negativa do poder, associando-o a solidão e a tramas e intrigas pouco dignificantes[3]. Por outro lado, a mulher com poder ou desejo de poder é frequentemente malvista pela sociedade[4], contrariamente ao homem, e com necessidade de se justificar pela posição que ocupa. A sua vida privada é dissecada, a sua aparência é sobrevalorizada em relação às suas ações e as suas motivações não são vistas como nobres nem legítimas a não ser que se norteiem pelo sacrifício pela comunidade ou família.

Apesar de tudo, a história regista várias mulheres que, aproveitando de circunstâncias diversas e por força de vontade própria, conseguiram contrariar o destino e atingir o poder político, económico ou outro.

Neste colóquio internacional pretendemos tratar numa perspetiva transdisciplinar a questão da(s) mulher(es) e do(s) poder(es), ao longo da história e no presente, nos países de língua portuguesa.

 

Eixos a abordar:

A mulher face ao poder (de estado, religioso, económico, masculino)

Mulheres de poder

A escrita (de mulher) como contestação ao poder

A arte (realizada por mulheres) e o poder

Empoderamento feminino e luta social de classes

Vida privada e vida pública – o poder escondido

O poder de influência

 

Comissão científica:

João Paulo Costa (CHAM, Universidade Nova de Lisboa)

Ana Maria Martinho (CHAM, Universidade Nova de Lisboa)

Nazaré Torrão (CEL – Centre d’Études Lusophones e Unité de Portugais, Université de Genève)

Alexander Keese (Département d’Histoire Générale, Université de Genève)

Isabel Araújo Branco (CHAM, Universidade Nova de Lisboa)

Maria Dávila (CHAM, Universidade Nova de Lisboa)



[1] THÉBAUD, Françoise, (2007) Écrire l’histoire des femmes et du genre. ENS Éditions.

[2] A esse respeito é muito interessante a obra de Mary Beard, Les femmes et le pouvoir. Un manifeste, Paris: Perrin, 2018 (traduzido do inglês, Women & Power. A manifesto, 2017).

[3] Viviane de Beaufort, « Femmes et pouvoir : le grand tabou », https://www.huffingtonpost.fr/viviane-de-beaufort/femmes-pouvoir-grand-tabou_b_3946724.html, consultada a 22.07.2019.

[4] THÉBAUT, Françoise, (2007) Écrire l’histoire des femmes et du genre. ENS Éditions, p. 37.


 

Nous sommes passés d’une histoire qui passait sous silence le rôle des femmes pour réussir à établir une branche de l’histoire qui s’en occupe, et, actuellement, dans un registre plus ample, de l’histoire de genre. Sur ce chemin s’est posé la question sur l’existence d’une histoire des femmes et, dans un second temps, celle-ci a été intégrée dans l’histoire des marginalités et des minorités : des pauvres et dominés, des colonisés, des noirs, des homosexuels… Pourtant il s’agit d’une marge très nombreuse : la moitié de la population mondiale ! Depuis les années 1970 les recherches sur le thème l’ont incorporé dans la vie académique, quoiqu’en luttant contre les résistances que la conquête d’une place égale pour les femmes a toujours causées et cause encore. La lutte a eu trois vecteurs : faire accepter les femmes comme actrices de l’histoire, comme thème de recherche et comme chercheuses[1].

Une conséquence de l’effacement dont les femmes ont été victimes pendant très longtemps a été le peu que l’on sait sur leur rôle dans l’histoire. Une deuxième conséquence est que, fruit de la discrimination qu’elles ont souffert et qu’elles continuent d’endurer dans beaucoup de sociétés dans le monde, leur condition sociale a toujours été pire que celle de l’homme, n’ayant souvent même pas eu le pouvoir de décision sur leurs vies, étant soumises aux pères, maris et frères. Dès lors, le pouvoir politique, économique et religieux leur a été défendu presque toujours et un peu partout, et, quand il a été exercé il n’a pas obtenu la même reconnaissance institutionnelle que celui des hommes. Ce thème n’a rien perdu d’actualité, car soit en politique, soit dans la magistrature, soit dans les postes à responsabilité de l’économie ou dans la religion, les femmes continuent d’être minoritaires, dans tous les pays (ou simplement exclues), même dans les pays les plus progressistes dans leur législation sur l’égalité des genres. L’affirmation de Simone de Beauvoir sur le fait que la femme est vue comme l’autre de l’homme continue d’être actuelle : « La femme se détermine et différentie par rapport à l’homme et non celui-ci par rapport à elle ; elle est l’inessentiel en face de l’essentiel, il est l’Absolu : elle est l’Autre. »

La situation sociale de la femme s’est beaucoup améliorée le long du XXe siècle, cependant la lutte sociale des femmes continue, car elles n’ont pas encore obtenu la plus emblématique et simple des revendications « À travail égal salaire égal ! ». En effet, si nous pouvons justifier le salaire plus élevé des hommes par le nombre supérieur d’hommes avec des qualifications supérieures et, par conséquence, avec des postes de cadres, il continue d’avoir une moyenne salariale des femmes inférieure, avec une partie de la différence qui ne peut pas être expliquée par ce décalage des positions et des habilitations, tant dans le secteur public que dans le privé. L’accès des femmes au(x) pouvoir(s) est ainsi devenu, au moins en apparence, un objectif social à atteindre, symbole de changement progressiste et espoir d’un changement plus grand dans le sens de l’égalité.

Cependant à quoi faisons-nous référence quand nous parlons de pouvoir ? Nous avons déjà mentionné le pouvoir politique, économique, religieux, mais, quoiqu’importants, ceux-ci n’en épuisent pas la notion. La présence de la femme dans la société et l’influence qu’elle y exerce revêtent d’autres formes : s’exprimer publiquement[2], l’expression littéraire et artistique, le pouvoir d’influence dans de domaines très différents et surtout dans celui auquel le pouvoir féminin est fréquemment associé le long de l’histoire et dans la majorité des cultures : la famille et la maison.

La question du pouvoir est donc ambiguë. Pour en avoir, il faut pouvoir s’imaginer qu’on l’a, comme dit Virgile « Ils peuvent, parce qu’ils pensent qu’ils peuvent » et cette pensée a été interdite à la femme pendant très longtemps. Qu’en est-il resté de ce déni ancestral du pouvoir au féminin ? Est-ce que la femme a su choisir des chemins détournés pour l’exercer ? Le pouvoir au féminin est de même nature que celui exercé par les hommes ? Le pouvoir est-il désiré par les femmes ? Pour quoi faire ? De nombreuses études de sociologie sur le thème révèlent que la majorité des femmes a une image négative du pouvoir, l’associant à la solitude et à des intrigues indignes[3]. D’un autre côté, la femme avec pouvoir ou désir de pouvoir est fréquemment perçue par la société de manière négative, contrairement à l’homme, et ayant besoin de justifier la position qu’elle occupe[4]. Sa vie privée est disséquée, son apparence est survalorisée par rapport à ses actions et ses motivations ne sont pas considérées nobles ou légitimes à moins d’être orientées par le sacrifice envers la famille ou la société.

Malgré tout, l’histoire enregistre plusieurs femmes qui, profitant de circonstances diverses et avec leur force de volonté, ont réussi à contrarier ce destin et à atteindre le pouvoir politique, économique ou autre.

Avec ce colloque international nous souhaitons traiter dans une perspective transdisciplinaire la question de la femme/des femmes et du pouvoir/des pouvoirs, dans l’histoire du temps passé et présent, dans les pays de langue officielle portugaise.

 

Axes de travail :

La femme face au pouvoir (d’état, religieux, économique, masculin)

Femmes de pouvoir

L’écriture (de femme) comme contestation du pouvoir

L’art (réalisée par des femmes) et le pouvoir

Empowerment féminin et la lutte sociale de classes

Vie privée et vie publique – le pouvoir caché

Le pouvoir d’influence



[1] THÉBAUD, Françoise, (2007) Écrire l’histoire des femmes et du genre. ENS Éditions.

[2] À ce propos l’œuvre de Mary Beard, Les femmes et le pouvoir. Un manifeste. Paris : Perrin, 2018 (traduite de l’anglais Women & Power. A manifesto, 2017) est très intéressante.

[3] Viviane de Beaufort, « Femmes et pouvoir : le grand tabou », https://www.huffingtonpost.fr/viviane-de-beaufort/femmes-pouvoir-grand-tabou_b_3946724.html, consulté le 22.07.2019.

[4] THÉBAUD, Françoise, (2007) Écrire l’histoire des femmes et du genre. ENS Éditions, p. 37.

 

18 déc. 2019

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